sexta-feira, 2 de novembro de 2012

DIA DE FINADOS



DIA DE FINADOS - SERGIO VAZ

O dia de finados sempre passou batido pra mim, nunca fui frequentador de cemitério, nem tampouco de cultuar cadáveres.
Nada contra ninguém ou contra qualquer tipo de religião, eu só não gosto.

Gosto de deixar as pessoas vivas na minha memória, como se vivessem para sempre, assim como fiz com a minha mãe há alguns anos, no seu enterro, despedi-me de seu corpo, mas sempre que posso lembro de como era sua alma. Como era esperta a danada. Não sei como não enganou a morte.

Mesmo depois de falecer, minha mãe ainda estava mais viva do que muita gente que conheço, não só porque era minha mãe, mas pela paixão que tinha pelos dias. Ela era daquelas pessoas que sofriam, mas que sequer desconfiavam. De tão distraída, ria, como se fosse uma pessoa feliz.

Pois é, vai vendo os paradoxos: muita gente morta está viva, enquanto muita gente viva...

Quando era mais novo sempre tive medo dos mortos, e para piorar, o campinho onde eu jogava bola na infância e que mantinha vivo o sonho de virar jogador de futebol, virou cemitério, lá no Jardim São Luiz, periferia da Zona sul de São Paulo. Lugar que me ensinou que os fantasmas mais assustadores são aqueles que estão vivos, fingindo-se de mortos.

Hoje muitos sonhos estão enterrados ali, e a maioria, de jovens que morreram assassinados, por armas de fogo, ou pela frieza do estado. Acredito que lá tenha a mior quantidade de chumbo debaixo da terra por metro quadrado no país. E se juntássemos todas as lágrimas das mães que enterraram seus filhos ali, o mar seria pouco pra guardar.

Lembrando rapidamente das pessoas que se foram eu fiquei pensando: "será que estas pessoas que passaram em minha vida existiram de verdade, ou foi apenas minha imaginação?"

O Wilsinho, Bacamarte, Baianinho, Marcílio, Marcelo, Drácula, Ricardo, Meningite, Rina, Seu Hélio, Pelézinho, Miltinho, Chaca, Juarez e tantos outros, será que não foi invenção minha, poemas que não escrevi? Vai saber... este negócio de lembranças...
Gonzaguinha morreu. Nunca foi meu amigo, mas era como se fosse, fiquei muito triste com a sua morte. James Brow também.
Cartola ia fazer cem anos e não o conheci por um dia sequer, mas é como se estivesse vivo.
Silvio meu irmão morreu antes de conhecê-lo. Silmara também
China foi o primeiro cadáver que eu vi.
Morreu sobre as garrafas com um tiro na testa. Dizem que tentou reagir a um assalto. Demorei para esquecer esta cena, este morto me seguiu por vários anos, tempo em que me escondia debaixo das cobertas.
Tenho saudades da Cássia Eller. Da Elis. Do Quinho, meu cachorro.
Queria que o Preto Jota e o Jhay estivessem aqui para ler este texto, mas foram baleados pelo destino traiçoeiro das vielas escuras da deselegância.
Acho que se não fosse pelo Código Penal e os tratados de paz, metade da raça humana já teria sido assassinada, pela outra metade da raça humana. Que raça!

Não acredito em vida após a morte.
Só durante a vida.

Jaz.

*do Livro "Literatura, pão e poesia" Global Editora

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