quarta-feira, 11 de janeiro de 2012

NAQUELE TEMPO QUE ERA BOM - CRÔNICA INÉDITA







foto extraída do : http://cpcmbm.blogspot.com/


NAQUELE TEMPO QUE ERA BOM - SERGIO VAZ




Muitas vezes quando estamos numa roda de conversa, principalmente se as pessoas tiverem mais de trinta anos, pinta um "aquele tempo que era bom".


É. É um tal de era bom isso, era bom aquilo, que até parece papo de quem ficou em coma durante 20 anos. Sabe aquele filme "Adeus Lenin", é isso.


Não concordo, bom é o agora. Pode ser que até uma coisa aqui ou outra ali, mas naquele tempo não era bom, nem pra mim, nem para os que moravam na zona sul . Aliás, a periferia dos anos 70/80 foram um dos piores anos em nossas vidas.


Não que hoje seja uma maravilha, ainda estamos nos anos 80 em relação ao serviços prestados pelo governo, com educação de boa qualidade, saúde e segurança, ainda se vê pessoas morando em barracos de madeiras, porém, não sei de onde vem essa nostalgia do passado.


Pra começar, vivíamos numa ditadura militar e nós da periferia sequer sabíamos disso, tamanho nível de desinformação. Mal sabíamos que éramos brasileiros.


A Água era de poço e a maioria das brigas entre irmãos era pra ver que pilotava o Sarilho. Os menos pobres tinha bomba de água Rymel, que levava o líquido suspeito até a caixa. Faltava energia elétrica quase todo dia.


As ruas não tinham asfalto, e por consequência disso não passava caminhão de lixo nem caminhão de gás. Tá bom pra você?


Quando chovia os trabalhadores levavam os sapatos embrulhados num saco e desciam as ladeiras descalços e quando chegavam na Piraporinha (bairro central da região) para pegar o ônibus, lavavam os pés e os colocavam para não chegar envergonhados na empresa com o pisante sujo de lama. Tinha garoto que ganhava gorjeta lavando os pés das pessoas.


Na escola éramos obrigados a cantar o hino às segundas e sextas-feiras, antes do início das aulas. Os professores batiam na gente, a merenda era ovo e banana. Pátria amada idolatrada, sei.


E escola só tinha até a 8ª Série, o colegial, só em Santo Amaro e ainda tinha que passar por um vestibulinho.


Lembro que no primário a gente tomava Vermífugo, um remédio para combater lombriga, e que muita criança tinha medo de fazer necessidades com medo dessa anaconda que vivia em nossa barrigas inchadas.


Naquele tempo curso superior era o SENAI que era mais disputado que uma vaga na USP. Ser ferramenteiro ou torneiro mecânico equivalia a ser médico, e sem desprezar qualquer uma das três profissões. Nos anos 80 o desemprego era monstro, inflação, os Menudos, etc..


De tão longe, quando a gente ia ao centro dizia que ia na cidade. Sobre a violência podia passar dias falando, sobre amigos mortos então...


Teve um final de semana nos anos 80 que na grande São Paulo morreram 52 pessoas de morte matada, como se dizia na época. Tempo em que a Zona Sul ganhou o apelido carinhoso de Vietnã do Brasil.


Os temidos pés-de-pato imperavam nos bairros aterrorizando comunidades inteiras com chacinas que mancharam de sangue a história da periferia paulistana. Uma vez teve uma em que morreram 12 pessoas de uma só vez. Um delírio para o finado jornal Notícias populares.


Muitos jovens e amigos estão enterrados no cemitérioa do Jardim São Luiz, que deve ter a maior quantidade de chumbo debaixo da terra deste país. Parece papo de fantasma, mas sabia que naquele tempo bandidos assaltavam velórios? É pra se assustar mesmo.


Só o transporte continua igual como era antigamente, ou talvez, até pior. Falando nisso, quando a gente ia aos bailes blacks que se espalhavam na cidade, umas das poucas coisas boas daquela época, a gente ficava horas de madrugada esperando o negreiro, ou, o último ônibus, que vinha lotado como os navios que mancharam a história do país.


Quem tinha bicicleta, os afortunados, emprestavam-na para um bairro inteiro, e já passamos várias vezes sem jogar futebol porque simplesmente ninguém tinha uma bola pra jogar. Uma mísera bola.


Os pais adoravam dizer não, talvez por medo dos filhos virarem bandidos, mas desconfio que era por ruindade mesmo. Os pais sofriam tanto que não gostavam de ver os filhos sorrirem. Alguns conversavam sobre a vida com uma cinta na mão e com tapas na cara.


Se uma menina fosse pega fazendo "bobagem" com um cara, ficava marcada como galinha, e se não desse para quem descobrisse, ele contava pra todo mundo, se ficasse grávida então...


Na TV as mesmas porcarias, tirando o BBB, o que tem hoje tinha antigamente, só que naquele tempo era à válvula. Sabe qual a diferença? Além de demorar pra ligar, se a gente assistisse o dia inteiro quando o pai chegava do trabalho colocava a mão na TV, se tivesse quente... A gente apanhava em 3D.


Sim, sei que tinha as brincadeiras de rua, bolinha de gude, beijo, abraço e aperto de mão, mas não eram tempos incríveis. Eram dias difíceis.


Sei que o vinil era da hora, mas ter todas as músicas que você gosta, e não são poucas, dentro de um Pen Drive, ter seu próprio telefone dentro do bolso em vez de ficar numa fila de um orelhão com a mão cheio de fichas pra falar com alguém, parece até que a gente veio do passado para o futuro.


A única coisa que não devia mudar são os valores, isso devia ser eterno.


Quer saber mesmo o que era bom naquele tempo?


É que a gente era criança, e quando se é criança "aquele tempo era bom" em qualquer lugar.


Quando digo sobre isso não estou falando para apagar o passado ou escrever o futuro, estou pedindo pra viver o presente.


A melhor época é aquela que se vive intensamente.










4 comentários:

  1. Perfeito Sergio!! Sempre falo isto quando encontro os amigos antigos, a maioria na casa dos 40, e eles ficam com esta conversa. Dizem que sou tirado a garoto hahaha Mas tem gente que fala isto tambem porque era o que tinha a bicicleta..hheh Muito bom texto!

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  2. Sensacional!!!

    "A melhor época é aquela que se vive intensamente." Isso todo mundo devia fazer!!

    Parabens!!

    www.luismacedo.com/

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  3. A melhor época é hoje em dia mesmo. Sempre pensei nisso, e é a mais pura verdade. Pode não estar como queriamos, mas está bem melhor muitas coisas. Parabéns Sérgio, vc é o melhor poeta.

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  4. É que a gente era criança, e quando se é criança "aquele tempo era bom" em qualquer lugar.

    q lindo!
    vc sempre me emocionando...
    sdds da cooperifa!

    abrçs

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