segunda-feira, 14 de junho de 2010

Uma crônica para começar a semana

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Coração de grinalda (baseado em fatos reais) - Sérgio Vaz
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O casamento estava marcado para as 18 horas, mas como toda noiva que se preze, Tereza também chegou atrasada, coisa de meia hora. Não foi fácil conseguir esta igreja, então não era bom abusar da paciência do padre. Do lado de dentro um calor lascado. Os convidados e os padrinhos suavam em bicas.
A pequena catedral estava lotada -a noiva era muito querida no escritório onde trabalhava, até o gerente estava lá.
Quando a noiva surgiu na porta foi um alívio para todos. Muitos só pensavam na festa e no chope gelado. “Que calor!”, disse um coroinha.
De braços dados com o tio, já nos primeiros três passos que avançava para o seu casamento começou a chorar. Chorava de emoção, mas também porque seu pai não podia estar ali, de braços dados conduzindo-a ao altar como sempre sonhou.
Chorava porque naquele exato momento seu herói estava internado numa cama de hospital e não podia ver sua princesa casando-se com um príncipe, como ele sempre lutara para que isso acontecesse.
Cada passo uma lembrança. Cada passo uma lágrima. A noiva chorava copiosamente. Muitos dos convidados também choravam enquanto ela caminhava para o altar.
Feliz pela metade, ela só conseguia pensar: “queria que meu pai estivesse aqui”, e chorava.
Do outro lado da cidade, na cama do hospital, seu Durval, entre uma dor e outra, caminhava com ela em pensamento. E também pensava: “como eu queria estar lá”, e chorava também. Na vizinhança não se conhece tamanho amor entre pai e filha como o dos dois.
O casamento só aconteceu porque já estava marcado há muito tempo e por insistência do pai, pois por ela, que se danasse tudo.
O sonho do pai sempre foi vê-la de noiva e o dela era ser conduzida pelo pai. A Mãe era testemunha desse sonho, por isso chorava com eles.
Quando chegou em São Paulo, aos 23 anos, fugindo da seca e do desemprego na sua cidade, seu Durval era apenas mais um, perdido na cidade grande. Uma mala na mão e na outra, nada. Foi assim que pisou na selva de pedra.
Já na rodoviária conseguiu um emprego numa obra na Avenida faria Lima. Sem dinheiro para pensão, morou por seis meses no trabalho, junto com outros conterrâneos. Enquanto construía o prédio sonhava que construía sua própria casa. Por conta disso, do amor com que trabalhava pensando que construía sua própria casa, logo conseguiu uma promoção, de ajudante passou a ser pedreiro.
Um pouquinho mais no bolso alugou uma casa na periferia da Zona Sul. Coisa pequena. Quarto e sala e um banheiro com chuveiro de água quente.
Seguiu assim, construindo casas como se construísse a sua.
Conheceu Esperança num baile perto de casa e com pouco tempo já estavam morando juntos. Amasiados. Mais Esperança sempre quis casar. Mas como não tinham dinheiro adiaram para sempre este desejo. Quem sabe um dia...
Esperança sempre foi mulher de fibra, quando construíram a própria casa depois de muitos anos, foi ela quem carregou os blocos de cimento para dentro do quintal. Ela quem trazia água para a massa do cimento. Ela é quem era a ajudante geral. Ela ajudou a construir a casa em que moram com o mesmo amor em que deu a luz a suas três filhas. Por isso, chorava no casamento. Chorava por amor e pela ausência do marido. Em meio à saudade teve tempo de lembrar que filha realizava o sonho dela: “casar vestida de noiva”. E chorava como mulher, Chorava feito mãe.
Já no altar, fitou a mãe, e ambas trocaram lágrimas e sorriso molhados.
Faltava o pai, mas o dia era de felicidade. Elas sabiam disso. Então riam e choravam ao mesmo tempo.
O marido, enquanto lhe aliançava ganhou de presente um dos sorrisos mais lindos que o mundo já produziu, e de quebra, um sim que valia por três. Mais ainda assim lhe faltava o pai.
Depois do banho de arroz todos entraram em seus carros e foram direto para a festa. Quase todos. Tereza e o marido pediram para que o motorista desviasse um pouco do caminho e foram, ele de terno e ela vestida de noiva, direto para o hospital pedir a benção do pai.
Ao vê-la no quarto do hospital Durval custou acreditar que estava vivo.
Choravam o pai, a filha, as enfermeiras, o marido, os médicos, os curiosos, os outros doentes, o hospital virou um vale de lágrimas. De alegria.
A vida doía, mas ainda assim valia a pena, pensou o pai com um tubo enfiado no nariz e um buraco aberto no peito.
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*de sonho realizado seu Durval morreu uma semana depois.

8 comentários:

  1. Choraram os leitores desta crônica também!
    Certamente!
    Valeu poeta!
    Siga descabelando nossos sentimentos!
    É por isso que amo ler!
    É por isso que amo ler Sérgio Vaz!
    Ricarda

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  2. Uma linda historia de amor e luta e sempre bom pra começar uma segunda-feira, uma lição após outra e quando a gente acha que já aprendeu tudo, começamos a aprender mais coisas, obrigado por postar textos como esse, pode ter certeza que fortalece quem lê ainda mais.

    Abraços
    Juma

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  3. Linda história.Pessoas lindas.

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  4. Eu escrevi um texto enorme de agradecimento pelo livre que terminei de ler uma hora atrás, o "Cooperife Antropologia Periférica". Falei sobre como sua história me incentivava a lutar pelos meus ideais, mas devido a minha inépcia no uso de recursos da internet, perdi meu texto. Que bom, pois posso resumir, muito obrigado pela sua vida!!!
    José Carlos de Alcantara
    Nova Iguaçu, RJ

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  5. Poeta Sérgio Vaz,
    Obrigada por mais este maravilhoso presente literário!
    Abraços,
    Marisa.

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  6. Direto e lindo!Perdi meu pai, há três meses e ainda dói, por não por ter tido eu te amo, enquanto ele estava vivo.

    Parabéns e vida longa para ti!

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  7. Sérgio poeta e agora cronista, brilhante,simples e emocionante como um doutor da alegria...sucesso periferia!

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