sexta-feira, 26 de março de 2010

OS BRUTOS TAMBÉM AMAM - SERGIO VAZ

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Os Brutos também amam - Sérgio Vaz
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.Era um domingo de inverno, há quase trinta anos, quando eu conheci o amor pela primeira vez. Chegou em mim discretamente como se não quisesse fazer barulho para não mes espantar nem causar estranhamento.
Enquanto dançava com os olhos fechados e o peito aberto desfilava pelo baile, sem sair do lugar, carregando nos braços aquela que seria a lembrança mais feliz da minha vida: o primeiro amor.
Não recordo bem se era Marvin Gaye (let’s get it on) ou Bee Gees (Reaching out) que rolava nas pick ups, só consigo lembrar de estar ali, com os lábios ansiosos pelo fogo desconhecido, implorando aos céus que aquele momento, que ainda nem havia acontecido, nunca acabasse.
Sem o menor traquejo com a poesia, e devoto da Santa adolescêscia das bocas desamparadas, recitava em meus pensamentos coisas do tipo: “Deus por favor faça minhas pernas pararem de tremer”. Se alguém um dia se encontrar com deus, e se realmente ele existir, pergunte , ele vai confirmar.
Eu ainda não a tinha beijado. Pelo menos não pessoalmente, mas em sonho... com os olhos...
Enquanto a música brincava de ser feliz às minhas custas, colado aquele anjo, fui me deixando levar cantando baixinho o refrão ao seu ouvido: “letis guere riron...”. Letis guere riron?????!
caramba, se não sei inglês hoje, imagine com quinze anos, coitada.
A Adolescência tem cheiro de almíscar, sei disso porque esse era o perfume que ela usava nesse dia, e durante muito tempo esse aroma permaneceu impregnadao na minha memória.
Tirando o cheiro de terra depois da chuva, almíscar tem cheiro de anos incríveis.
Sentindo o aroma da vida fui lentamente virando meu rosto para o encontro daquela boca linda, sorrateiramente, como um colibri que rouba saliva da flor.
Havia pensado neste momento há semanas, mais precisamente, quinze anos.
Nunca vou esquecer quele beijo. Até porque foi o meu primeiro pra valer, no rosto não conta, sem amor então... E segundo, porque quase quebrei o sorriso dela.
Beijei-a por uma tarde inteira com todas as bocas que tinha o meu pequeno coraçãozinho de menino apaixonado. Que tarde. E que boca.
Beijei-a com todos os meus cincos sentidos, e quase fiquei sem os sentidos por conta disso. Quase que morro no meu primeiro dia de vida.
Com os olhos fechados, beijei-a como quem agradece por estar vivo.
Por conta desta troca divina de saliva, e na dúvida, nunca mais cuspi no chão.
Nos anos setenta, época mais brava da ditadura no Brasil, eu estava ali, com a cara cheia de espinhas exercitando a minha revolução: o primeiro amor.
Resolvi escrever sobre isso porque acabo de receber o convite de casamento de dois grandes amigos. E como sou testemunha desse amor quero lembrá-los que por mais belo que seja a lembrança do primeiro beijo ou do primeiro amor, nada, absolutamente nada, é mais importante que o último.

Ah, também lembrei de uma outra coisa, os dias não envelhecem. E todo dia é pra sempre.

3 comentários:

  1. Esse texto é lindo de verdade. Abraços Sérgio.

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  2. A Winnie Cooper foi uma das minhas maiores paixões...

    Puta texto legal.

    Abraço.

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  3. Pensei que meus olhos já estivessem endurecendo. Há tempos não escorria uma lágrima sequer. Mas ao ler este texto me senti iluminada e meus olhos transbordaram de prazer.

    Hoje, quase por engano, visitei seu blog pela primeira vez. Fique certo de que me enganarei por [várias] outras vezes.

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